A herança sobre o domínio do solo está longe de acabar e já envolve até mesmo acusações de terrorismo
A crise não é nova nem seus reflexos fora da fronteira entre o Brasil e o Paraguai. No entanto uma pesquisa sobre Migrações Internacionais começa a dar a proporção do problema envolvendo brasileiros que vivem em terras do vizinho país. Dos seis milhões de nativos, 550 mil moradores são estrangeiros. Do total, 80% planta soja, somando cerca de 300 mil agricultores. A cultura do grão coloca o Paraguai como o terceiro maior produtor do mundo, só perdendo para o Brasil no mesmo ranking.
Junto com o aquecimento da economia agrícola, desde a década de 70 quando os primeiros brasileiros, principalmente gaúchos e italianos, começaram a cultivar a terra, a questão da propriedade também vem se acumulando na mesma proporção. O tema: “brasileiros ilegais”, sofreu a última batalha há pouco mais de dois meses, logo após a posse do novo presidente, o ex-bispo Fernando Lugo.
Polêmico, o novo presidente buscou no “Tratado de Itaipu” e nas terras, mais precisamente no “Tratado de Fronteiras”, foco para anunciar sua administração. Como resposta, fez insurgir as feridas, cujo remédio tem como analgésico ingredientes cuja marca de validade podem gerar efeitos ainda não previstos, apesar dos efeitos anteriores.
Entre estes efeitos já registrados estão o assassinato de 77 militantes camponeses, nos últimos dez anos. Uma média de 8 pessoas por ano (7,7). Junto com a perda, um novo carimbo está sendo calcado sobre eles, o de serem terroristas. O termo ganhou proporções reais no atentado contra as torres gêmeas em Nova Iorque em 2001.
A guerra pela terra ainda tem na linha de trincheira mais 52 famílias. Estas reivindicam a propriedade dessas terras, que lhes haviam sido atribuídas, em 2007, pelo Instituto Público de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert). A falta de registro tanto dos primeiros moradores como de quem reivindica posteriormente, aquece a briga.
O impasse também já deixa o campo. O governo admitiu recentemente que o problema das terras não se refere somente aos Brasiguaios uma vez que o Paraguai desponta como um paraíso fiscal para as multinacionais da soja. Na lista divulgada estariam pessoas que além de funcionários públicos passaram a ser grandes latifundiários.
Os ‘novos fazendeiros’ seriam donos de 7 milhões de hectares. O presente teria sido dado pelo ex-general Alfredo Stroessner (1954-1989), período da ditadura. Outro, um milhão desde o retorno da democracia. Apesar de a Constituição do Paraguai assegurar o direito a propriedade privada, a realidade da crise vivida pelos nascidos no país pode prevalecer diante do papel.
Entenda o caso
O antecessor de Lugo, o ex-presidente Nicanor Duarte Frutos sancionou a “Lei de Faixa de Segurança”, que determinou o fim dos trabalhos de demarcação da chamada “fronteira interna” durante seu governo de 2004 a 2008. O tratado determinava que não poderia haver nenhum presença de imigrantes numa distância de 50 quilômetros das fronteiras do Paraguai com países vizinhos.
Lugo valeu-se, na verdade, da falta de memória para mexer em uma decisão que tem mais de 466 anos. O tratado de fronteira foi criado quando espanhol Álvar Nuñes, esteve na fronteira. O navegador saiu da Espanha com a missão de colonizar. Trazia a bordo 400 homens para “dar posse” às novas terras requeridas pela coroa espanhola. Ao chegar em Santa Catarina, decidiu navegar os rios em direção à Bacia do Prata. “Ao chegar ao rio Iguaçu e por ele seguiu viagem guiado por índios. Ao avistar as Cataratas deu-lhe o nome de cachoeira de Santa Maria, seguindo para o Paraguai”.
Após este registro há um novo vazio histórico na região, sem datas, mas novamente escrito com o mesmo ‘tom’ de descaso evidenciado quando o assunto são os primeiros moradores: Depois dele (Cabeça de Vaca), sucederam-se fatos ligados aos índios, missões jesuíticas e disputas entre espanhóis e portugueses pela posse do território, numa saga que se arrastaria até os fins do século XIX, quando enfim teria início o processo de colonização.
O relato é retomado em 1619, quando chegou à fronteira o colonizador paulista Manoel Preto. Chefiando a bandeira paulista, Manuel Preto fez uma “operação limpeza”, sobre tudo o que encontrou. A operação foi completada pelo bandeirante Antônio Raposo Tavares, entre 1629 e 1632, com um exército de 69 paulistas, 900 mamelucos e 2.000 indígenas, anulando as pretensões espanholas (...). Só em 1750 com o Tratado de Madri, determinando limites territoriais ficou definitivamente estabelecido.
Este tratado definia como área não habitável os 150 quilômetros de fronteira. Em seguida, foram reduzidos para 50 quilômetros e mais tarde, ignorados, não no papel, mas diante do progresso que se avizinhava entre os dois países. Revendo a história, Lugo valeu-se de um tratado cuja data só faz reforçar o tempo de conflito entre os territórios.
A entrada dos primeiros brasileiros no Paraguai foi registrada em 1893, quando renegados da Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, chegam à fronteira e com o todo o aparato provocado por uma guerra. Os cerca de 300 moradores buscam abrigo nos países vizinhos.
Ao invés de rever a história, em entrevista ao jornal O Globo o chanceler paraguaio explicou que o governo de seu país está realizando, em parceria com o governo Lula, um abrangente trabalho sobre a situação em que vivem e trabalham os brasileiros no Paraguai (os chamados brasiguaios) e assegurou que o governo vai “proceder de forma a evitar um impacto social negativo e sempre pensando em preservar nosso bom relacionamento com o Brasil”.